15 de julho de 2014

Comentário de Mateus 10

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Este capítulo faz parte da obra: “O Novo Testamento Comentado”, de autoria de Lucas Banzoli e de livre divulgação.
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1. E chamando a si seus doze discípulos, deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, para os expulsarem, e curarem toda doença e todo mal.
2. E os nomes dos doze apóstolos são estes: o primeiro, Simão, chamado Pedro, e André seu irmão; Tiago [filho] de Zebedeu, e João seu irmão.
3. Filipe e Bartolomeu; Tomé, e Mateus o cobrador de impostos; Tiago [filho] de Alfeu; e Lebeu, por sobrenome Tadeu.
4. Simão cananeu, e Judas Iscariotes, o mesmo que o entregou.
5. Jesus enviou a estes doze, e lhes mandou, dizendo: 
 Não ireis pelo caminho dos gentios, nem entrareis em cidade de samaritanos.
6. Mas em vez disso, ide às ovelhas perdidas da casa de Israel.
7. E quando fordes, pregai, dizendo: 
 Chegado é o Reino dos céus.
8. Curai aos doentes, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; recebestes de graça, dai de graça.
9. Não possuais ouro, nem prata, nem [dinheiro de] cobre em vossas cintas.
10. Nem bolsas para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador é digno de seu alimento.
11. E em qualquer cidade ou aldeia que entrardes, informai-vos de quem nela seja digno, e ficai ali até que saiais.
12. E quando entrardes em [alguma] casa, saudai-a.
13. E se a casa for digna, venha sobre ela vossa paz; mas se ela não for digna, volte vossa paz a vós.
14. E qualquer um que não vos receber, nem ouvir vossas palavras, ao sairdes daquela casa ou cidade, sacudi o pó de vossos pés.
15. Em verdade vos digo que será mais tolerável para [os da] terra de Sodoma e Gomorra no dia do julgamento, do que para [os] daquela cidade.
16. Eis que eu vos envio como a ovelhas em meio dos lobos; portanto sede prudentes como serpentes, e inofensivos como pombas.
17. Mas tende cuidado com as pessoas; porque vos entregarão em tribunais, e vos açoitarão em suas sinagogas.
18. E até perante governadores e reis sereis levados por causa de mim, para que a eles e aos gentios lhes haja testemunho.
19. Mas quando vos entregarem, não estejais ansiosos de como ou que falareis; porque naquela mesma hora vos será dado o que deveis falar.
20. Porque não sois vós os que falais, mas sim o Espírito de vosso Pai que fala em vós.
21. E o irmão entregará à morte ao irmão, e o pai ao filho; e os filhos se levantarão contra os pais, e os matarão.
22. E sereis odiados por todos por causa de meu nome; mas aquele que perseverar até o fim, esse será salvo.
23. Quando então vos perseguirem nesta cidade, fugi para outra; porque em verdade vos digo, que não acabareis de [percorrer] as cidades de Israel, até que venha o Filho do homem.
24. O discípulo não é maior que o mestre, nem o servo maior que seu senhor.
25. Seja o suficiente ao discípulo ser como seu mestre, e ao servo como seu senhor; se ao chefe da casa chamaram de Belzebu, quanto mais aos membros de sua casa?
26. Portanto não os temais; porque nada há encoberto, que se não haja de descobrir; e [nada] escondido, que não haja de se saber.
27. O que eu vos digo em trevas, dizei na luz; e o que ouvirdes ao ouvido, proclamai sobre os telhados.
28. E não temais os que matam o corpo, e não podem matar a alma; temei antes a aquele que pode destruir tanto a alma como o corpo no inferno.
29. Não se vendem dois passarinhos por uma moeda de ceitil? e nem um deles cairá em terra sem [a vontade de] vosso Pai.
30. E até os cabelos de vossas cabeças estão todos contados.
31. Portanto não tenhais medo; mais valeis vós que muitos passarinhos.
32. Portanto qualquer um que me confessar diante das pessoas, também eu o confessarei diante de meu Pai, que [está] nos céus.
33. Porém qualquer um que me negar diante das pessoas, também eu o negarei diante de meu Pai, que [está] nos céus.
34. Não penseis que vim para trazer paz na terra; não vim para trazer paz, mas sim espada.
35. Porque eu vim para pôr em discórdia o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra.
36. E os inimigos do homem [serão] os de sua [própria] casa.
37. Quem ama pai ou mãe mais que a mim não é digno de mim; e quem ama filho ou filha mais que a mim não é digno de mim.
38. E quem não toma sua cruz e segue após mim não é digno de mim.
39. Quem achar sua vida a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a achará.
40. Quem vos recebe, recebe a mim; e quem recebe a mim, recebe a aquele que me enviou.
41. Quem recebe um profeta por reconhecê-lo como profeta receberá recompensa de profeta; e quem recebe um justo por reconhecê-lo como justo receberá recompensa de justo.
{por reconhecê-lo: lit. em nome de – também v. 42}
42. E qualquer um que der [ainda que] somente um pequeno vaso de [água] fria a um destes pequenos por reconhecê-lo como discípulo, em verdade vos digo, que de maneira nenhuma perderá sua recompensa.





10.2 primeiro, Simão. O fato de Pedro ter sido citado por primeiro nesta ocasião não significa, de forma alguma, que ele tinha autoridade superior aos demais, como ensina a Igreja Romana. Aqui não foi utilizada a palavraartios, que significa “primeiro” no sentido de “líder” (Strong, 746), e sim protos, que significa primeiro “em alguma sucessão de coisas ou pessoas” (Strong, 4413). É digno de nota que arche (que expressa liderança ou autoridade no grego) nunca foi utilizada para Pedro no NT. Por outro lado, em Gálatas 2:9 Pedro é apenas osegundo a ser mencionado, quando o assunto em questão são as colunas (autoridades) na Igreja. Se Pedro fosse o líder supremo e Sumo Pontífice dos cristãos, seria imprescindível que ele sempre aparecesse em primeiro, ainda mais quando o assunto em questão está relacionado a liderança. Mas o que vemos é que Pedro não era nem a única coluna, nem a primeira coluna.

10.5 não ireis pelo caminho dos gentios. O evangelho teria que ser anunciado primeiramente aos judeus (Jo.1:11), e só depois da rejeição dos judeus seria espalhado por toda a terra (Mc.16:15).

10.8 recebestes de graça, dai de graça. Diferente de muitos que lucram através da fé vendendo seus produtos ou extorquindo o povo em seus púlpitos, o ensino cristão é de que tudo aquilo que nós somos e que nós temos veio de Deus, e veio de graça, razão pela qual não temos que lucrar com algo que não veio de nós. Seria como se alguém te emprestasse um relógio de graça, e você vendesse este relógio a outra pessoa, lucrando através dele. Deus vai pedir contas de cada pessoa que fizer isso (1Tm.6:5; 2Co.2:17).

10.15 será mais tolerável para os da terra de Sodoma. O versículo transmite a ideia de um juízo maior sobre aquele que recebeu mais conhecimento, e de um juízo menos rigoroso para aquele que teve menos oportunidades de conhecer a verdade do evangelho. “Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele deseja, nem o realiza, receberá muitos açoites, mas aquele que não a conhece e pratica coisas merecedoras de castigo, receberá poucos açoites” (Lc.12:47-48). Jesus também disse que no dia do juízo haverá menor rigor para Tiro e Sidom (que tiveram menos oportunidades de ouvir a verdade) do que para Corazim e Betsaida, porque estes viram os milagres de Cristo e mesmo assim o rejeitaram (Mt.11:21-22). É por isso que “nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor” (Tg.3:1). Cristo também deixou claro que “se eu não tivesse vindo e lhes falado, não seriam culpados de pecado; agora, contudo, eles não têm desculpa para o seu pecado” (Jo.15:22), e que “se vocês fossem cegos, não seriam culpados de pecado; mas agora que dizem que podem ver, a culpa de vocês permanece” (Jo.9:41).

Em outras palavras, o princípio da proporcionalidade equilibra a questão. Se por um lado é verdade que um teve mais conhecimento (e consequentemente mais chances de aceitar Jesus), por outro lado também é verdade que este será julgado com maior rigor do que aquele que recebeu menos. Esta lei de proporcionalidade retira toda e qualquer acusação de injustiça na questão do livre-arbítrio, e coloca todos sob um mesmo patamar final. Deus nunca trabalhou de maneira injusta e arbitrária, mas sempre de forma justa e igualitária, mesmo que a igualdade atue mediante fatores que equilibram.

10.23 não acabareis de percorrer as cidades de Israel, até que venha o Filho do homem. Não se refere à segunda vinda gloriosa de Cristo nas nuvens, no fim dos tempos (Mt.24:30), mas sim à vinda em juízo contra Israel, que espiritualmente aconteceu em 70 d.C, quando os judeus foram destruídos pelos romanos. É a confusão presente na falta de distinção entre a vinda em juízo e a vinda em glória que causa enganos escatológicos como o preterismo completo (pós-milenismo).

10.28 não podem matar a alma. Embora alguns imortalistas usem essa passagem em favor da imortalidade da alma, ela implica no aniquilacionismo final, pois a continuação lógica de um texto que diz que os homens podem apenas matar o corpo mas não podem matar a alma é que Deus destruirá tanto um como o outro. Não há a menor lógica em dizer que os homens podem matar apenas o corpo e não a alma se Deus também só matasse o corpo e não a alma. A mensagem sobre temer a Deus mais do que temer aos homens só faria sentido caso Deus matasse mais do que os homens são capazes de fazer, isto é, se os homens pudessem dar fim a existência apenas do corpo enquanto Deus dá fim a existência do corpo e da alma. Aqui a destruição está claramente no sentido de aniquilação, e não apenas de “fazer perder” ou de “lançar”, como vertem algumas traduções. De outra forma, o texto estaria dizendo que os homens matam apenas o corpo e não a alma e Deus também mata apenas o corpo e não a alma. Isso obviamente anularia toda a mensagem de não temer quem pode dar um fim apenas ao corpo, se Deus da mesma forma também só desse um fim ao corpo!

A conclusão imortalista de que não é para temer aqueles que só podem matar o corpo, mas era para temer aquele que também só mata o corpo, não é nem um pouco razoável. O texto implica na destruição final do corpo e da alma dos ímpios. “Alma”, neste texto, está no sentido de vida póstuma (a vida que se obtém com a ressurreição), como muitas vezes ocorre nos evangelhos (Mt.16:26; Lc.21:19; Jo.12:25), e não no sentido primário de um ser vivo (Gn.2:7). O sentido do texto é que os homens podem dar um fim somente a esta vida terrena (representada pelo corpo), mas não podem fazer nada em relação à outra vida (a vida eterna). Deus, contudo, tem o poder tanto para dar um fim à existência terrena, como à eterna. Um ímpio pode matar um crente nesta vida, mas não pode tirar a vida eterna dele. Deus, porém, pode destruir um ímpio nesta vida e por toda a eternidade.

Esta interpretação também é corroborada por dois elementos textuais. O primeiro é que Jesus não falou do Hades, mas do geena, no original grego. Embora a BLIVRE tenha optado pela palavra “inferno” indiscriminadamente, o Hades é o nome dado à sepultura coletiva onde todos vão após a morte e antes da ressurreição, enquanto o geena é o local final de punição aos ímpios, após a ressurreição. Jesus não diz que após a destruição corporal a alma seria lançada no Hades, mas no geena, o que mostra que ele não contemplava um estado intermediário, mas estava falando do estado final – da vida que se obtém após a ressurreição. O segundo é que Lucas, ao transcrever este mesmo texto em seu evangelho, retira o termo “alma”, preferindo ir direto ao significado do texto (v. nota em Lc.12:4-5). A razão pela qual Lucas optou em nãotranscrever as palavras exatas de Jesus, mas o seu significado, é que o discurso poderia possivelmente ser mal interpretado, com alma em um sentido diferente do expresso por Cristo (Lucas escrevia a leitores gregos, que tinham em mente o conceito platônico de alma). E na transcrição de Lucas não há nenhum indício de sobrevivência da alma, o que mostra que ele não entendia o texto de Mateus da mesma forma que os imortalistas o entendem. Se o sentido fosse que a alma sobrevive após a morte, ele não teria feito qualquer alteração, pois isso não seria necessário.

10.29 sem [a vontade de] vosso Pai. A parte entre colchetes inexiste no Textus Receptus. O sentido mais provável é de consentimento, e não de vontade (v. tradução NVI, baseada no Texto Crítico). O que Deuspermite não é necessariamente causado por ele (v. nota em Ef.1:11).

10.32-33 Confessar ou negar Jesus publicamente não se refere somente ao ato de dizer publicamente que Jesus é o único e suficiente salvador (o que também é importante), mas diz respeito à vida como um todo, principalmente a quando estamos fora do local de culto. Podemos sempre confessar ou negar Jesus em nossas vidas com nossos atos. Alguém que se une à mesa dos imorais com conversas de baixo nível, xingamento ou promiscuidade, está negando Jesus publicamente com suas ações. Está mostrando que Jesus não está nele, e que ele ainda não se libertou do mundo. Quem é amigo do mundo não pode ser amigo de Deus (Tg.4:4). Em contrapartida, aquele que publicamente decide abrir mão de certos valores que são contrários à fé cristã, por amor a Cristo, está confessando-o publicamente. Quem se recusa a fazer parte da roda dos escarnecedores (Sl.1:1), a ir a festas imorais com amigos não-cristãos, a compactuar com zombaria ou deboches a outra pessoa, a assistir filmes indevidos que todo mundo vê, a usar sua boca para proferir baixarias e xingamentos – esse mostra publicamente que ama mais a Cristo do que o mundo, mesmo sabendo que pode ser ridicularizado pelo mundo por não seguir os valores que o mundo ensina (v. nota em Jo.12:43).

10.34 não vim trazer paz, mas a espada. “Espada” aqui está no sentido de divisão, de discórdia, inclusive entre pessoas da própria família (vs.35-36). A mensagem aqui transmitida é que é necessário colocar Cristo acima de todas as coisas – inclusive acima da própria família – e que essa posição por Jesus pode causar a discórdia de outros. Muitas pessoas conhecem Jesus antes de seus próprios pais ou irmãos, que são contra essa conversão, o que gera um conflito dentro da própria família. O que fazer? Buscar a paz familiar abandonando Cristo e voltando ao mundo, ou se tornar “inimigo” (v.36) do mundo por amor a Cristo? Ele responde a esta questão logo em seguida, dizendo que “quem ama pai ou mãe mais que a mim não é digno de mim; e quem ama filho ou filha mais que a mim não é digno de mim” (v.37).

10.38 toma sua cruz. V. nota em Lc.9:23.

10.39 achar sua vida... perder sua vida. V. nota em Lc.9:24.

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